quinta-feira, 8 de maio de 2014

VISÃO ESPIRITUAL X CEGUEIRA ESPIRITAL - T AUSTIN SPARKS



O Homem Cujos Olhos São Abertos
 T AUSTIN SPARKS

"Então, o Senhor abriu os olhos a Balaão, ele viu o Anjo do Senhor, que estava no caminho, com a sua espada desembainhada na mão; pelo que inclinou a cabeça e prostrou-se com o rosto em terra" (Nm 22:31).
"Proferiu a sua palavra e disse: Palavra de Balaão, filho de Beor, palavra do homem de olhos abertos; palavra daquele que ouve os ditos de Deus, o que tem a visão do Todo-Poderoso e prostra-se, porém de olhos abertos..." (Nm 24:3, 4).
"E foram para Jerico. Quando ele saía de Jerico, juntamente com os discípulos e numerosa multidão, Bartimeu, cego mendigo, filho de Timeu, estava assentado à beira do caminho... Perguntou-lhe Jesus: Que queres que eu te faça? Respondeu o cego: Mestre, que eu torne a ver. Então, Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E imediatamente tornou a ver e seguia Jesus estrada afora" (Mc 10:46, 51, 52).
"Jesus, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia e, aplicando-lhe saliva aos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe: Vês alguma coisa? Este, recobrando a vista, respondeu: Vejo os homens, porque como árvores os vejo, andando. Então, novamente lhe pôs as mãos nos olhos, e ele, passando a ver claramente, ficou restabelecido; e tudo distinguia de modo perfeito" (Mc 8:23-25).
"Caminhando Jesus, viu um homem cego de nascença... dizendo-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que quer dizer Enviado). Ele foi, lavou-se e voltou vendo... Ele retrucou: Se é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era cego e agora vejo" (Jo 9:1, 7, 25).
"...para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos..." (Ef 1:17, 18).
"Aconselho-te que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres, vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a vergonha da tua nudez, e colírio para ungires os olhos, a fim de que vejas" (Ap 3:18).
".. .para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim" (At 26:18).
Creio que a frase usada por Balaão se encaixa muito bem no início da nossa presente meditação: "O homem cujos olhos são abertos".

A CAUSA DA DOENÇA DO NOSSO TEMPO

Quando contemplamos o estado de coisas no mundo hoje, ficamos profundamente impressionados e oprimidos com a prevalecente doença da cegueira espiritual. Ela é a causa da doença do nosso tempo. Não estaríamos muito errados se disséssemos que a maior parte dos problemas, se não todos, que o mundo está sofrendo tem sua origem naquela raiz: a cegueira[1]. As multidões estão cegas; não há dúvida sobre isso. Num dia em que se imagina ser um dia de inigualável iluminação, as multidões estão cegas. Os líderes estão cegos; guias cegos guiando outros cegos. Mas numa grande escala, o mesmo é verdadeiro com respeito ao povo de Deus. Falando de modo geral, os cristãos hoje são muito cegos.



UM EXAME GERAL DO TERRENO DA CEGUEIRA ESPIRITUAL

As passagens que lemos cobrem de modo geral uma grande parte, se não for o todo, do terreno da cegueira espiritual. Elas começam com aqueles que nunca viram, que nasceram cegos.
Depois há aqueles que receberam visão, mas não estão vendo muito, isto é, não claramente — "homens andando como árvores" —, mas chegam a ver mais perfeitamente mediante uma posterior obra da graça.
Depois há aqueles que têm visão real e nítida, mas para quem uma esfera ampla do pensamento e propósito divino ainda aguarda uma obra mais completa do Espírito Santo.

".. .para .. .que vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos..." (Ef 1:17-19).

Estas palavras são dirigidas a pessoas que têm visão, mas para as quais esta ampla esfera de significado divino aguarda que conheçam uma obra mais plena do Espírito Santo, na questão da visão espiritual.
Em seguida estão aqueles que viram e seguiram, mas perderam a visão espiritual que uma vez possuíram e agora estão cegos, mas com um fator adicional: eles pensam que vêem e estão cegos para sua própria cegueira. Esta foi a tragédia de Laodicéia.
Depois vêm aquelas duas classes representadas por Balaão e Saulo de Tarso. Balaão, cegado pelo lucro, ou pela possibilidade de lucro. Esse, creio eu, é o significado no Novo Testamento para a expressão "seguir o caminho de Balaão". E ficar tão tomado com a questão do ganho e da perda, a ponto de ficar cego para os grandes projetos e propósitos de Deus, não vendo o próprio Senhor no caminho e, por meio dessa cegueira, chegando perto de ser ferido no trajeto. A declaração aqui é muito definida. Balaão não viu o Senhor até o Senhor lhe abrir os olhos; então ele viu o Senhor. "O Anjo do Senhor", como está no texto. Eu não tenho muita dúvida de que seja o próprio Senhor. Então ele viu.
Mais tarde ele fez aquela dupla declaração sobre o assunto: "O homem de olhos abertos" e "prostra-se, porém de olhos abertos". Tal é Balaão, um homem cegado por considerações de um caráter pessoal, de uma natureza pessoal, de como as coisas o afetariam. E como tais considerações cegam onde as questões espirituais estão envolvidas!
Se você ou eu estacionarmos nesta questão, estaremos em mui grande perigo. Se apenas por um momento permitirmos ser influenciados por tais questões como: De que modo isso me afetará? Quanto isso me custará? O que vou ganhar ou perder com isso?, este é o momento em que as trevas podem tomar posse dos nossos corações e aí seguimos no caminho de Balaão.
Bem, por outro lado temos Saulo de Tarso. Não há dúvidas quanto à sua cegueira. Sua cegueira era seu zelo religioso, seu zelo por Deus, seu zelo pela tradição, seu zelo por sua religião histórica, seu zelo pelo estabelecido e aceito no mundo religioso. Era um zelo cego, sobre o qual mais tarde precisou falar: "Na verdade, a mim me parecia que muitas coisas devia eu praticar contra o nome de Jesus, o Nazareno..." (At 26:9). "A mim me parecia" que "eu devia". Que reviravolta tremenda aconteceu quando ele descobriu que as coisas que ele pensava e apaixonadamente pensava que devia fazer, a fim de agradar a Deus e satisfazer sua própria consciência, eram totalmente opostas a Deus e ao caminho do bem e da verdade. Certamente Saulo permanece como uma advertência constante para todos nós de que o zelo por alguma coisa não prova necessariamente que certa coisa é correta e que estamos no caminho certo. Nosso próprio zelo em si mesmo pode ser algo que cega e nossa devoção pela tradição a nossa cegueira.
Creio que os olhos têm um lugar muito amplo na vida de Paulo. Quando seus olhos foram abertos espiritualmente, seus olhos foram cegados naturalmente, e podemos usar isso como uma metáfora. A utilização dos olhos religiosos naturais extremamente fortes pode ser apenas uma indicação de quão cegos somos, e pode ser que, quando tais olhos naturais religiosos forem cegados, veremos algo, e só quando isso acontecer é que veremos algo.
Para muitas pessoas o que as impede de ver é o fato de verem demais na direção errada. Elas estão vendo com sentidos naturais, faculdades naturais da razão, intelecto e . do conhecimento; tudo isso está no caminho.
Paulo se levanta para nos dizer que, algumas vezes, para vermos em realidade, é necessário ficarmos cegos. É evidente que isso deixou sua marca nele, assim como o dedo do Senhor deixou Sua marca em Jacó, para o resto de sua vida. Paulo esteve na Galácia e mais tarde escreveu sua carta a eles: "Pois vos dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar" (4:15). Ele está dizendo que eles notaram sua aflição, estavam conscientes daquela marca que se estendeu desde o caminho de Damasco e sentiram por ele tanto que, se fosse possível, teriam arrancado os olhos para dar a ele.
Mas é maravilhoso que a comissão que Paulo recebeu quando foi naturalmente cegado no caminho de Damasco foi toda sobre os olhos. Ele ficou cego e outros o levaram pela mão para Damasco. Mas o Senhor nesta hora lhe disse: ".. .para os quais eu te envio, para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus..." (At 26:17, 18).
Estas passagens trazem suas próprias mensagens a nós, mas elas cobrem o terreno de forma bem geral em relação à visão espiritual. Existem, naturalmente, muitos detalhes, mas não procuraremos examiná-los no momento. Prosseguiremos com esta consideração geral.

A VISÃO ESPIRITUAL É SEMPRE UM MILAGRE

Depois de cobrirmos todo o terreno de modo geral, voltamos para observar uma característica particular e peculiar em cada caso, que é: a visão espiritual é sempre um milagre. Este fato leva com ele todo o significado da vinda do Filho de Deus a este mundo. A própria justificativa para a vinda do Senhor Jesus Cristo a este mundo é encontrada naquilo que está estabelecido na Palavra de Deus, pois é uma questão resolvida para o próprio Deus que o homem agora nasce cego: "Eu vim como luz para o mundo" (Jo 12:46); "Eu sou a luz do mundo" (9:5). Essa declaração, como você sabe, foi feita exatamente naquela parte do Evangelho de João onde o Senhor Jesus está lidando com a cegueira. "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo" (9:5) e Ele ilustrou isso lidando com o homem que nasceu cego.
De modo que a visão espiritual é sempre um milagre do céu. Isso significa que aquele que vê espiritualmente tem um milagre logo no fundamento da sua vida. Toda a sua vida espiritual brota de um milagre, e é o milagre de receber a visão nos olhos que nunca viram. E exatamente aqui que a vida espiritual começa, onde a vida cristã tem seu início: no ver.
E qualquer que prega deve ter este milagre em sua história. O que prega depende totalmente desse milagre se repetir no caso de todos aqueles que o ouvem. Nesse aspecto ele é totalmente impotente e tolo. Talvez seja aqui que, num sentido, descobrimos "a loucura da pregação".
Um homem pode ter visto e pode estar pregando o que ele viu, mas nenhum dos que o ouvem viu ou vê o que ele viu. Assim ele está dizendo aos cegos: "Vejam!". E eles não vêem. Ele depende inteiramente do Espírito de Deus vir e realizar um milagre nesse momento e nesse lugar. A menos que este milagre seja realizado, sua pregação é vã no tocante ao resultado desejado.
Não sei o que você diz quando chega a uma reunião e curva sua cabeça para orar, mas faço uma sugestão. Ali pode estar sendo apresentado aquilo que veio de um milagre naquele que está pregando ou ensinando e você pode perder tudo. A sugestão é que você peça sempre ao Espírito Santo para operar aquele milagre em você novamente nesta hora, para que possa ver.
Vamos prosseguir um pouco mais. Cada parte de uma nova visão é uma obra do céu. Não é algo feito plenamente de uma vez por todas. E possível prosseguirmos vendo e vendo, e vendo ainda mais plenamente, mas com cada novo fragmento da verdade, esta obra que não está em nosso poder deve ser realizada. A vida espiritual não é um milagre apenas em seu começo; é um milagre contínuo nesse sentido até o final. E isso que brota das passagens que lemos.
Um homem pode ter tido um toque, e, embora fosse cego antes, sem nada ver, agora ele vê. Entretanto ele vê apenas um pouco, tanto na medida quanto na extensão, e, por isso, vê imperfeitamente. Ainda existe certa quantidade de distorção a respeito da sua visão. Outro toque do céu é necessário, a fim de que ele possa ver todas as coisas correta e perfeitamente. Mas mesmo assim não é o fim, pois aqueles que estão vendo as coisas correta e perfeitamente, dentro daquela medida, ainda têm possibilidades de Deus de ver tais vastas extensões. Mas ainda se necessita de um espírito de sabedoria e de revelação para realizá-lo. Por todo o caminho isso é algo do céu. E quem o conseguiria de outro modo? Porque não é a permanência constante desse elemento milagroso que dá à verdadeira vida espiritual seu real valor?


[1] Escrito em 1942, Segunda Guerra Mundial.