O Revestimento do Espírito
Depois da publicação pelo Independente do meu
artigo "O Poder do Alto", fiquei detido por prolongada enfermidade.
Nesse interim recebi inúmeras cartas indagando sobre o assunto. Focalizam de
modo geral três questões em particular:
1) Pedem novas ilustrações da manifestação desse
poder.
2) Indagam: "Quem tem o direito de esperar
semelhante revestimento?"
3) De que modo ou em que condições pode ser
alcançado?
Não me sendo possível responder pessoalmente às
cartas, pretendo, com o vosso consentimento, e se a minha saúde continuar a
melhorar, atendê-las através de breves artigos nesta coluna. Desta feita
relatarei outra manifestação do poder do alto, conforme eu mesmo presenciei.
Pouco tempo depois de ter sido licenciado para pregar, fui a uma reunião do
país onde eu era completamente estranho. Fui a pedido de uma sociedade
missionária feminina, localizada no condado de Oneida, Estado de Nova Iorque.
Foi, se não me engano, em princípios de maio que visitei a vila de Antuérpia, na
parte norte do condado de Jefferson. Fiquei no hotel da vila, e ali soube que,
na ocasião, não se realizavam reuniões religiosas no lugar.
Havia um salão de cultos, mas estava fechado.
Mediante esforços pessoais, consegui reunir uma poucas pessoas na sala da
residência de uma senhora crente e preguei-lhes a palavra na noite após a minha
chegada. Ao andar pela vila, fiquei horrorizado com a linguagem blasfema que
ouvia entre os homens por toda parte. Consegui licença para pregar no prédio da
escola no domingo seguinte, porém antes que chegasse o domingo sentia-me
desanimado, e quase aterrorizado, em virtude do estado em que se encontrava
aquela comunidade. No sábado, o Senhor trouxe ao meu coração as seguintes
palavras, dirigidas a Paulo pelo Senhor Jesus (At 18.9-10): "Não temas,
mas fala e não te cales: porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti
para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade". Isso acalmou por
completo os meus temores; mas o meu coração estava cheio de ansiedade pelo
povo.
Na manhã de domingo levantei-me cedo e me refugiei
num bosque fora da vila, a fim de derramar o coração diante de Deus
suplicando-lhe uma bênção sobre os trabalhos do dia. Não pude exprimir em
palavras a angústia da minha alma, mas lutei com gemidos e, creio, muitas
lágrimas, durante uma ou duas horas, sem encontrar alívio. Voltei para o meu
quarto no hotel, mas quase em seguida fui de novo para o bosque. Fiz isso por
três vezes. Da última vez obtive completo alívio, já na hora da reunião.
Fui para a escola e encontrei-a completamente
lotada. Tirei minha pequena Bíblia do bolso e li este texto: "Deus amou o
mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". Expus a bondade de Deus em
contraste com a maneira pela qual ele é tratado por aqueles que amou e aos
quais deu o seu Filho. Argüi os meus ouvintes pelas suas blasfêmias, e,
reconhecendo entre eles vários cujas pragas eu ouvira pessoalmente, com o
coração cheio de ardor e com lágrimas nos olhos apontei-os, dizendo: "Ouvi
esses homens rogarem de Deus pragas sobre seus companheiros." A Palavra
teve efeito poderoso. Ninguém pareceu ofender-se, porém quase todos ficaram
grandemente esternecidos. Terminado o culto, o bondoso dono, o Sr. Copeland,
levantou-se e disse que à tarde abriria a casa de oração. Assim fez, e a casa
esteve repleta, e, como pela manhã, a Palavra operou com muito poder.
Assim começou poderoso avivamento na vila, o qual,
pouco depois, espalhou-se em todas as direções. Creio que foi no segundo
domingo depois desse, que, ao descer do púlpito à tarde, um senhor de idade me
procurou e disse: "O senhor não poderia pregar em nossa localidade? Nunca
tivemos ali reuniões religiosas". Informei-me da direção e da distância, e
combinei de pregar lá na tarde seguinte, segunda-feira, ás cinco horas, na
escola.
No domingo eu pregara três vezes na vila e
assistira duas reuniões de oração; na segunda-feira fui a pé cumprir esse
compromisso. Fazia bastante calor, e antes de chegar, comecei a sentir-me fraco
para andar e com grande desalento de espírito. Sentei-me debaixo de uma sombra,
à beira do caminho, sentindo-me fraco para chegar ao destino e, mesmo que
chegasse, desanimado para abrir a boca diante do povo.
Quando enfim cheguei, encontrei a casa repleta.
Comecei em seguida o culto, anunciando um hino. Tentaram cantar, porém a
terrível desarmonia causou-me verdadeira angústia. Inclinei-me para frente, com
os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos sobre os ouvidos, e ainda sacudia a
cabeça, procurando excluir a dissonância que, mesmo assim, a custo suportei.
Quando pararam de cantar, lancei-me de joelhos, em estado de quase desespero.
Até esse momento não tinha nenhuma idéia de que
texto usaria na pregação. Ao levantar-me da oração, o Senhor me deu este:
"Levantai-vos, e saí deste lugar. porque o Senhor há de destruir a
cidade". Falei ao povo, o mais aproximadamente que pude recordar, onde se
encontrava o texto na Bíblia, e prossegui contando-lhes da destruição de
Sodoma. Esbocei a história de Abraão e Ló; de seus tratos um com o outro; de
como Abraão orou por Sodoma; de Ló, o único homem piedoso achado na cidade.
Enquanto isso, notei que a fisionomia dos presentes demonstrava que estavam
muito zangados comigo; assumiam mesmo aspecto ameaçador, e alguns dos homens
perto de mim pareciam que iam me bater. Eu não entendia isso, pois estava
apenas dando, e isso com grande liberdade de espírito, alguns esboços
interessantes da história bíblica.
Assim que terminei o esboço histórico, voltei-me ao
povo e disse-lhes que eu entendia que nunca tinham tido reuniões religiosas
naquela vizinhança. Aplicando esse fato, golpeei-os com toda a força com a
espada do Espírito. A partir desse momento a seriedade do ambiente foi
aumentando rapidamente. Daí a pouco pareceu cair sobre a congregação um choque
instantâneo. Não posso descrever a sensação que tive, nem a que se manifestava
na congregação, mas parecia que palavra, literalmente, cortava como espada. O
poder do alto veio sobre eles numa torrente tal, que caíam dos bancos em todas
as direções.
Dentro de um minuto em quase toda a congregação
estavam, ou de joelhos, prostrados no chão, ou em alguma posição de humildade
diante de Deus. Cada qual clamava ou gemia rogando a misericórdia divina para
sua alma. Não davam mais atenção a mim ou à minha pregação. Procurei ganhar a
sua atenção, mas não consegui. Observei o senhor de idade que me tinha
convidado, sentado ainda, perto do meio do auditório. Olhava em redor, atônito,
com os olhos quase saltando das órbitas. Apontando para ele, gritei com toda a
força: "O senhor não pode orar?" Ele ajoelhou-se e berrou uma breve
oração, o mais alto que pôde: mas ninguém lhe deu atenção.
Depois de ter olhado em volta de mim alguns
momentos, ajoelhei-me, coloquei a mão sobre a cabeça de um jovem que estava
ajoelhado aos meus pés e comecei a orar pela sua alma. Obtive sua atenção e,
falando-lhe ao ouvido, preguei-lhe Jesus. Dentro de poucos momentos ele se
entregou a Jesus pela fé, e então irrompeu em oração a favor dos que estavam ao
seu redor. Voltei-me então a outro, do mesmo modo, e com o mesmo resultado;
depois outro, e outro, até que não sei quantos se tinham entregado a Cristo e
oravam fervorosamente pelos demais.
Depois de ter continuado assim até o cair da tarde,
fui obrigado a entregar a reunião ao senhor de idade que me convidara, para
atender um compromisso que tinha assumido em outro local. À tarde do dia
seguinte fui chamado para voltar, pois não tinham conseguido dispersar a
reunião. Tiveram que deixar a casa da escola para dar lugar às aulas, mas
transferiram-se para uma residência próxima, onde encontrei uma porção de
pessoas que ainda estavam demasiadamente ansiosas e oprimidas pela convicção de
pecados. Por isso não podiam voltar para casa. Foram logo acalmadas pela Palavra
de Deus, e creio que todas obtiveram a esperança em Cristo antes de ir para
casa.
Nota: eu era totalmente estranho naquele lugar.
Nunca o tinha visto nem dele ouvira falar, conforme relatei. Mas agora, na
segunda visita, fiquei sabendo que o lugar era chamado de Sodoma, por causa da
sua impiedade, e que o senhor de idade que me convidara era chamado de Ló pelo
fato de ser a única pessoa do lugar que professava religião.
Dessa maneira o avivamento irrompeu nessa região.
Faz muitos anos que não volto lá; mas em 1856, me parece, quando fazia um
trabalho em Siracusa, Nova Iorque, fui apresentado a um ministro de Cristo do
condado de São Lourenço, de nome Cross. Ele me disse: "Sr. Finney, o
senhor não me conhece; mas lembra-se de ter pregado num lugar chamado
Sodoma?" "Jamais me esquecerei", respondi. "Pois eu era
jovem nessa ocasião", disse ele, "e me converti naquela
reunião." Ele ainda vive; é pastor de uma das igrejas daquele condado, e é
pai do superintendente do nosso departamento preparatório. Os que moram na
região testificam dos resultados permanentes daquele abençoado avivamento. O
que pude descrever em palavras dá apenas uma pálida idéia daquela
extraordinária manifestação do poder do alto que acompanhou a pregação da
Palavra.
CHARLES FINNEY